domingo, 20 de fevereiro de 2011

Cisne Negro - Espiral de Loucura e Insanidade em filme de... ballet?

Ontem fui assistir com a minha esposa o filme Cisne Negro (Black Swan/2010).
Engraçado como são as coisas...

Eu estava tentando escapar desse filme já faz umas semanas, por saber superficialmente que se trata de um filme sobre o mundo do ballet. Vou ser sincero, eu nunca simpatizei com ballet. Nunca entendi o que as pessoas enxergam nesse tipo de arte. Falando como leigo, ballet é tão inconcebível para mim quanto um slash movie é para... digamos, minha avó.

Mas eu estava devendo assistir um filme desse tipo com a minha mulher desde que ela topou ver "Os Mercenários" ano passado. Meio à contragosto fui ver o filme imaginando que sairia dele sofrendo com ondas recorrentes de tédio que só um filme sobre ballet poderia ocasionar. Pensei até que teria de me "desintoxicar" assistindo algo como Comando para Matar ou Hellraiser para ter uma boa noite de sono.

Contudo, surpresa das surpresas... o ballet é apenas o pano de fundo de um filme incrivelmente soturno, esquisito e de certo modo assustador. (claro, se não tivesse algo de assustador eu não falaria dele nesse blog!).

Resumo, eu acabei achando o filme interessante. Minha esposa detestou... possivelmente vou ter de asisstir "Amar, comer e rezar" ou algo que o valha num futuro próximo.

Bem, se você está lendo até aqui é porque deve estar curioso sobre o maldito filme. Então falemos a respeito dele.

Cisne Negro conta a estória da jovem bailarina Nina Sayers, interpretada por Natalie Portman. Ela é bonita, vulnerável, bobinha e cheia de fragilidade. No começo eu detestei a personagem, parece aquele estereótipo de menina moça, cujo sonho é ser bailarina. Mas é aí a coisa começa a degringolar (no bom sentido). Para interpretar o papel de sua vida, o de protagonista em "O Lago dos Cisnes", Nina tem que mergulhar em seus medos e tocar o lado negro de sua alma. Só assim será capaz de interpretar o Cisne Branco (cheio de pureza) e a sua contra-parte, o Cisne Negro (diabólico e maldoso).


A medida que tenta equilibrar a ansiedade e o medo de não estar à altura do papel, Nina começa a experimentar alucinações cada vez mais perturbadoras. Os ensaios se transformam em sessões de tortura, os olhares invejosos das colegas vão se tornando cada vez mais penetrantes, ela se arranha - descontando no corpo suas frustrações - e pior de tudo, o amor pela dança que pontilhava suas ações vai se tornando cada vez mais amargo. Cisne Negro é um filme sobre temores: o medo de não estar à altura de uma tarefa, de sofrer com as falhas, de ser substituído e de ser esquecido. É tensão psicológica de ótima qualidade. Não é terror, mas nem por isso deixa de causar uns arrepios.

Natalie Portman parece ter dado um passo decisivo em sua carreira artística com a interpretação de uma personagem em queda livre na espiral de loucura sem escalas para um colapso nervoso. Nina vive em um quarto de boneca cor de rosa com direito a caixinha de música e toneladas de bichinhos de pelúcia. Super protegida pela mãe que vê nela a chance de realizar o próprio sonho de ser uma bailarina de sucesso.

Quando o filme começa descobrimos que a companhia de ballet está para dispensar a atual estrela (Winona Ryder) que chegou a idade limite. O diretor da companhia, Thomas Leroy (Vincent Cassel) precisa de uma nova estrela para o papel principal do Lago dos Cisnes. O diretor bate o olho nas bailarinas e acaba escolhendo Nina, que executa perfeitamente o papel de Cisne Branco. O desafio para ela é encarnar o Cisne Negro, um personagem vibrante e livre dos pudores que atormentam a vida de Nina.

Thomas encoraja Nina a se espelhar em uma concorrente direta para o papel, sua colega Lily (Mila Kunis) que diferente de Nina demonstra talento justamente quando interpreta o Cisne Negro. A insegurança de Nina causa cada vez mais danos a sua sanidade e ela começa a imaginar que Lily quer tomar o seu lugar.


Como um estudo de loucura (e por isso ele é válido para quem gosta de um jogo que aborda a loucura), Cisne Negro é o que surgiu de melhor desde Repulsa ao Sexo (1965) de Roman Polanski - outro filme barra pesada sobre insanidade. Mas de fato ele se assemelha mesmo ao clássico "O Bebê de Rosemary" também de Polanski. Ao examinar as profundezas da paranóia e da incerteza, o diretor faz com que o público não se tenha certeza se ela está enlouquecendo ou se há realmente uma conspiração. Nina parece perdida, assim como Rosemary, incapaz de despertar de um pesadelo cada vez mais claustrofóbico. Será que alguém está tramando contra a personagem ou as sombras que ela vê, estão apenas na sua mente perturbada?

As alucinações experimentadas por Nina são cada vez mais estranhas, em um momento especialmente bizarro ela imagina que uma ferida nas suas costas que teima em não sarar esconde a plumagem negra da sua fantasia de cisne. Nina começa a perder o contato com a realidade e sua personalidade muda, como se o Cisne Negro estivesse pervertendo sua razão ganhando espaço. Em outro momento inquietante Nina se entrega a uma noitada na companhia de Lily alimentada por drogas e sexo.

Como se pode perceber o ballet é secundário na trama, tenho a impressão de que Cisne Negro poderia ser a respeito de qualquer outra forma de obsessão humana.

O diretor reserva o final do filme para a temida estréia do Lago dos Cisnes quando a loucura de Nina explode tornando o espetáculo uma tragédia.


Bom, o filme é estranho e imprevisível. O tipo da coisa que quando termina divide opiniões entre aqueles que gostaram e aqueles que detestaram. Se me perguntar eu não sei se posso emitir uma opinião sobre o que achei de Cisne Negro, e quando isso acontece a tendência é ter de assistir mais uma ou duas vezes para entender ele em sua totalidade.

É um daqueles filmes difíceis, como quase todos do diretor Darren Aronofsky que fez os igualmente complicados Fonte da Vida e Pi.

Não vou indicar Cisne Negro para todos. É um filme interessante para quem quer ver algo intrincado. Mas aviso logo que nem todo mundo vai gostar, por isso quem ficou curioso com essa resenha e quer se arriscar, vá por sua própria conta e risco.

9 comentários:

  1. Filme fantástico, Natalie da seu grande passo para virar uma lenda do cinema.

    abs
    http://mestreurbano.wordpress.com

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  2. Sinceramente não curti muito o filme. Tenho que admitir que ela é uma grande atriz. Mas todo o contexto, não foi para mim la essas coisas. Não veria de novo =]

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  3. Bom, minha namorada -- bailarina, diga-se de passagem --, insistiu demais para ver esse filme ainda essa semana. Eu fazendo vista grossa. Agora vou, com certeza. Só pra ver a cara dela.

    Bela resenha!

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  4. Filmão! Como todo trabalho do Aronofsky. Recomendo também o curto dele chamado "Pi" (o símbolo matemático). Apesar de ter gostado do "Cisne Negro" (especialmente como ele mostra o balé), o filme em si é bem padrão do diretor e acho que o primeiro onde ele realmente deixa de inovar. Quem gostou, procurem por "Pi", "Lutador" e "Réquiem por um Sonho".
    Ótimo post, como sempre! Parabéns!

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  5. Eu sou um dos que gostaram demais desse filme. Aronofsky mostra o grande cineasta que é e realmente é inegável a força de Natalie Portman na trama. É um genuíno filme de horror pessoal de verdade, que eu não via há muitos anos no cinema.

    Realmente você está certo em sua colocação, King - não é de se indicar pra qualquer pessoa. É preciso entender a trama por todas as suas variáveis, em todos os seus paradoxos, e não sentar para ver esperando um filme de balé, um filme de terror ou um trhiller pessoal per se - ele é tudo isso e nada disso ao mesmo tempo.

    Um outro filme muito marcante, mas este pelo seu quê chocante/degradante, é Anticristo, de Lars von Trier. Aviso logo pra quem quiser assistir, que sairá com um brain damage. =)

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  6. Estava curioso antes, pois os trailers deixaram claro que não era só balé, mas agora quero ver mesmo!

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  7. Minha filha de 12 anos queria ver mas agora percebo que pode não ser uma boa!

    Achei maneira a história como você relatou mas para uma menina tão nova pode ser sim, perturbador. Sei lá, pode ser coisa de um pai coruja!

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  8. O filme deixa claro que ela estava começando a se perturbar antes mesmo de haver a pressão psicológica do papel ... pela idade dela e por ser mulher, e por todo o desenvolvimento do filme, descontando exageros visuais necessários num filme (que é uma obra visual, e é parte da poética), fica óbvio que ela está passando pelo primeiro surto de esquizofrenia da vida.

    As pressões da vida colorem esse surto, e o resultado são as alucinações do Cisne Negro. A coisa piora com o consumo de êxtase, claro. Mas nem a pressão psicológica nem a droga causam o surto ... só pioram e moldam.

    Posso assegurar que esse filme é muito mais fiel a um caso de esquizofrenia, inclusive por um detalhe que não cito pra não ser spoiler, muito mais do que Uma Mente Brilhante, por exemplo, que é biográfico de um esquizofrênico da vida real.

    Pra quem quer usar os Cthulhu Mythos de forma gradual, para aumentar o terror através da tensão, seja na escrita, seja no RPG, esse filme também é um prato cheio ...

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  9. Daniel, sua filha só vai poder assistir esse filme, direito, se já for madura mentalmente acima de sua idade, e já lidar com assuntos como loucura sem problemas. Se ela tiver qualquer problema com isso, nem pensar ...

    É bom também lembrar que embora não haja nenhuma cena de sexo reveladora de verdade, o filme tem uma carga bem erótica, e isso é uma coisa normal no caso de vários surtos esquizofrênicos.

    Com doze anos eu conseguiria assistir sem problemas, mas crianças são cada vez mais variadas, vai depender de seu julgamento imparcial, mais do que qualquer outra coisa, Daniel ...

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