quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Loucura em Salem - Explicações para a Caça às Bruxas na Nova Inglaterra


No ano de 1692 várias jovens começaram a demonstrar um comportamento bizarro no tranquilo vilarejo de Salem, Massachusetts. Elas se contorciam horrivelmente, gritavam e choravam de uma forma assustadora. Adultos rapidamente concluíram que as meninas estavam sob o ataque de magia negra e a histeria tomou conta da pequena cidade. Uma corte foi formada e 19 pessoas acusadas de estarem afligindo as meninas. Estes foram enforcados por supostamente praticar malefício, uma forma de feitiçaria. Centenas de pessoas foram presas pelo mesmo crime, algumas torturadas e outras passaram meses na cadeia. Alguns até morreram enquanto esperavam pela liberdade. 

O que despertou o repentino medo de bruxas que varreu a pequena comunidade? Ninguém sabe ao certo. Nos últimos três séculos, entretanto, algumas teorias e especulações tentaram lançar uma luz sobre esse estarrecedor incidente. Hoje, estudiosos e pesquisadores ainda buscam um sentido ou uma explicação para o que aconteceu. Estas são as teorias mais comuns: 

Existiam realmente "bruxas" em Salem


Atualmente, a maioria das pessoas ri da ideia de que poderiam realmente existir bruxas em Salem. E mesmo entre os que acreditam nessa possibilidade, a grande maioria refuta que eles poderiam ter quaisquer poderes sobrenaturais. É importante lembrar, entretanto, que em 1692 todas as pessoas, desde o mais iletrado escravo até o Presidente da Universidade de Harvard (que já existia), acreditavam que bruxaria não apenas existia de fato, mas que era praticada e trazia resultados práticos. Cotton Mather, um dos pastores puritanos mais respeitados, e que esteve presente durante os julgamentos, escreveu um relato completo dos acontecimentos ao governador de Massachusetts. Seu ensaio demonstrava claramente que ele acreditava que algumas das pessoas enforcadas no incidente em Salem eram de fato culpadas de usar magia negra para atormentar as "crianças afligidas". Memso hoje, uma parcela de pessoas ainda acredita em forças sobrenaturais que podem ser usadas para fazer o mal e para exercer poder sobre outros. 

No século XVII a crença que o demônio podia conceder poderes a seus seguidores era indiscutível. Mesmo filósofos e pensadores como Thomas Hobbes acreditavam que as bruxas eram capazes de manifestar sua força de vontade e canalizar energias negativas contra pessoas, desde que estas acreditassem na existência de tais poderes. Hobbes também acreditava que esse tipo de manipulação era passível de punição e que era função das autoridades coibir e repelir seus utilizadores.

É interessante ainda que rituais pagãos e superstições eram muito disseminados no período e praticados como uma maneira de lidar com as adversidades do mudo que os cercava. Nesse contexto, pessoas que seguiam antigas religiões e praticavam seus preceitos poderiam ser facilmente encaradas como feiticeiras. Jamais ficou provado que existisse um grupo de praticantes de religiões antigas em Salem, mas é inegável que a prática de adivinhações, sortilégios e "magia branca" estavam presentes mesmo entre os puritanos mais ortodoxos. É possível, entretanto, que existisse um pequeno enclave de devotos e que este tenha contribuído para a histeria que assolou a comunidade.     

As "Crianças Afligidas" acreditavam realmente estar encantadas


Este é um argumento que leva em conta que uma sociedade onde a crença em bruxaria é verdadeira, bruxaria tende a funcionar. A noção´e que não se trata de poderes sobrenaturais, mas de medo, paranoia e influência da própria mente de quem se acha afligido. Os sintomas, desde as crises histéricas, as convulsões, desmaios e bolhas na pele teriam origem psicossomática ao invés de orgânica.

Hoje em dia, os ramos da psicologia e psiquiatria compreendem como a mente exerce um poderoso efeito sobre o corpo. Placebos são uma parte importante dos estudos de novas drogas. O efeito psicológico de substâncias que teoricamente contribuem para uma melhoria, mas que não passam de pílulas de açúcar demonstram que a mente pode ser sugestionada a acreditar em condições inexistentes. Mais do que isso, o stress psicológico é uma causa de centenas de problemas físicos desde alergias a pressão sanguínea e doenças cardíacas. Estudos demonstram que sob hipnose, uma pessoa pode manifestar reações alérgicas sem que o agente físico esteja presente.   

Se as meninas realmente acreditavam que alguém estava lançando sobre elas maldições, isso pode ter criado suficiente stress em suas mentes que resultavam em sintomas físicos. De fato, o historiador Chadwick Hansen sugere que muitos sintomas manifestados pelas crianças se encaixam perfeitamente na definição clínica de histeria psicossomática. 

O foco da pesquisa deveria ser estudar e compreender o que as crianças afligidas acreditavam estar acontecendo à sua volta. Se elas sentiam que estavam sob o ataque de forças sobrenaturais, é bem possível que elas manifestassem condições adversas e sintomas típicos, algo que se observa em vários casos de exaltação e fervor religioso nos dias atuais.

Uma brincadeira que foi longe demais


Uma teoria muito difundida é que as "meninas afligidas" responsáveis pelas acusações estavam apenas fingindo. Algumas delas eram os membros menos importantes da comunidade de Salem, vistas com desdém ou condescendência por todos os outros membros da sua sociedade. A maioria delas eram jovens e solteiras, muitas tinham trabalhos servis para outras pessoas. Na cultura puritana, absolutamente ninguém dava a elas muita atenção e quando elas começaram a se comportar de uma maneira atípica, tendo crises elas se tornaram imediatamente impostantes. 

É possível que tudo tenha começado com um tipo de brincadeira. As meninas podem não ter tido a intenção de acusar pessoas de bruxaria ou causar mal a elas e isso acabou vindo com os desdobramentos dos acontecimentos. Os adultos preocupados ao redor das meninas queriam explicações e muitos deles forçavam as crianças a apontar quem as estava atormentando. A pressão pode ter levado a identificação de um tipo de bode expiatório. É perfeitamente possível que os próprios adultos tenham sugerido alguns candidatos. Finalmente, quando uma das garotas deu o nome de uma suposta bruxa, elas perceberam que tipo de poder isso dava a elas e como a comunidade estava disposta a acreditar no que elas diziam. Sem dúvida, isso permitiu que algumas delas se vingassem de desafetos e de pessoas que elas não gostavam. 

A fama das "meninas afligidas" foi carregada de vilarejo em vilarejo. De uma hora para outra, elas se converteram em uma espécie de celebridades em Massachusetts. Um tipo de poder que uma menina na sociedade puritana, tão fechada e severa, jamais poderia imaginar ter. Há relatos de crianças afligidas viajando para outras cidades com o intuito de desvendar a presença de bruxas. De meninas sendo reverenciadas e admiradas. Algumas delas até receberam presentes e agrados de cidadãos preocupados que tentavam protegê-las e delas cuidar.

Mas ao mesmo tempo em que elas se beneficiaram dessa condição, elas se viram capturadas. Em determinado momento, não havia mais como voltar atrás e retirar as histórias. Se elas admitissem que estavam mentindo,a punição seria dura e as autoridades poderiam até acusá-las de serem as verdadeiras bruxas. Em determinado momento, não havia outra opção a não ser seguir com a correnteza.

Em um momento, durante o início da histeria, uma das meninas chegou a ser ameaçada de enforcamento. Mary Warren, admitiu ter feito acusações indevidas e disse que as outras meninas também estavam inventando. Imediatamente as demais meninas se voltaram contra ela e a acusaram de ser uma bruxa. Warren rapidamente voltou atrás em e disse que estava com medo e por isso, mentiu sobre estar mentindo. Ela não tinha outra opção. Se ela tivesse mantido seu testemunho as outras garotas teriam direcionado contra ela todo tipo de acusação infundada e ela provavelmente seria condenada. Muitas das meninas provavelmente se sentiram como Mary Warren e pensaram em confessar, mas em face do medo e do que poderia acontecer, acabaram mantendo suas acusações até o fim.

Havia uma Conspiração baseada na política das comunidades


O vilarejo de Salem, mesmo antes de 1692, era considerado como uma das comunidades mais divididas da Nova Inglaterra. Duas famílias dominavam a política na época: Os Porter e os Putnam. Uma das questões principais durante o período era se o vilarejo de Salem deveria ou não se fundir com a próspera cidade de mesmo nome. Os Porter eram favoráveis a união, uma vez que eles possuíam vários negócios na cidade e estavam diretamente envolvidos na política portuária. Os Putnam discordavam e acreditavam que o vilarejo deveria permanecer independente e fechado. Embora fossem mais ricos, os Putnam não tinham tanto sucesso quanto seus rivais e por isso eram invejosos de sua influência.

É um fato que a rivalidade entre eles era bem conhecida e se fazia perceber na maioria das assembleias convocadas pela comunidade. Em muitas ocasiões, as discussões entre as duas famílias e seus partidários terminavam em confronto.

Uma teoria surgida recentemente sugere que os Putnam usaram as meninas afligidas como ferramenta para acusar os Porter de estarem aliados a bruxas. Existem certas evidências documentais que corroboram isso, sem falar no fato de que várias meinas envolvidas nas acusações pertenciam ao ramo dos Putman. As dua sprimeiras garotas afligidas eram Elizabeth Parris e Abigail Williams, ambas muito próximas do Reverendo Samuel Parris. Os Putman haviam insistido para que o Reverendo fosse empossado no vilarejo, enquanto os Porter eram contrários. De fato, os Porter desejavam que o clérigo fosse mandado embora e outro fosse chamado para ocupar seu lugar. 

Ann Putnan, a filha de Thomas Putman, patriarca do clã, estava entre as crianças afligidas e dentre todas, foi uma das que mais apontou nomes ligados a bruxaria. Não é de se surpreender que a maioria dos nomes estavam ligados aos Porter. Mercy Lewis, também afligida, trabalhava na casa de Putnam e também apontou nada menos do que 50 pessoas que foram interrogadas. Três quartos destes tinham alguma ligação com os Porter. Mary Walcott, outra acusadora, era filha adotiva de Deliverance Putnam, irmã de Thomas. Mary chegou a apontar dois membros direto da família Porter como feiticeiros, mas dada a importância social deles, não chegaram sequer a ser interrogados.

É possível que os Putnam tenham usado a situação a seu favor e manipulado as acusações para que estas incluíssem seus desafetos. Registros feitos dão conta de que algumas das meninas sequer conheciam as pessoas apontadas como bruxas e que as listas com nomes muitas vezes eram sugeridas por inquisidores, sob a supervisão do Reverendo Parris. Posteriormente, quando juízes isentos chegaram a Salem, o número de acusações contra membros da Família Porter reduziu sensivelmente.

As "Meninas Afligidas" sofriam de alguma doença    

   
Algumas teorias dão conta de que as meninas poderiam de fato estar doentes e sob influência de algum problema físico que a medicina do século XVII desconhecia. Doenças e venenos poderiam ser a causa da histeria manifestada.

Uma das explicações mais populares seria uma infecção por ergot, um tipo de fungo encontrado nos grãos de centeio. O ergot produz uma substância venenosa que afeta o sistema nervoso e circulatório. Os sintomas do ergotismo incluem convulsões, crises nervosas e alucinações. Em Salem existiam vários celeiros e silos de estocagem de grãos. Muitas das meninas estavam em contato direto com o centeio cru que era manipulado para fazer pão, uma atividade típica de mulheres. Além disso, crianças não tinham a mesma resistência que adultos, e por isso, podiam manifestar os efeitos enquanto mulheres se mostravam imunes.

O ergotismo é uma condição física grave em muitos casos. As vítimas experimentam alucinações vívidas nas quais vêem, ouvem e sentem coisas que não existem. Muitos dos relatos das meninas, envolvendo presenças invisíveis e manifestações sobrenaturais podem estar relacionadas a essas alucinações. Algumas meninas afirmavam ainda que sentiam cheiros e gostos incomuns que só elas podiam perceber. Os desmaios e as crises nervosas também estão incluídos entre os sintomas que são incontroláveis.   

Outra possibilidade é que as meninas teriam contraído encefalite, uma doença carregada por mosquitos. Encefalite causa febre, dores de cabeça e confusão mental. Críticos dessa explicação afirmam que apenas as meninas eram afetadas o que seria inviável em uma comunidade onde todos estariam sujeitos a ação dos insetos. 

 A combinação de várias causas

Talvez a explicação mais provável envolva uma série de fatores. A combinação de várias circunstâncias pode ser uma das causas da loucura que varreu Salem.

É possível que Elizabeth Parris, a primeira vítima, tenha ficado realmente doente com algum mal desconhecido. Não é difícil imaginar as outras meninas, buscando a mesma atenção que ela obteve, imitando seus sintomas para compartilhar de igual importância. Adultos, incapazes de obter uma explicação satisfatória no mundo natural, acreditaram que bruxaria estaria envolvida. As crianças sem dúvida foram questionadas a respeito do que estava acontecendo. Nós sabemos através de estudos recentes que crianças podem assumir um determinado comportamento para agradar adultos. Respostas que agradam aos adultos e que despertam uma reação satisfatória acabam causando um alívio. Isso as torna sugestionáveis a dar a resposta que elas interpretam como a desejada.

Sabemos através de documentos que as crianças apontaram em listas os nomes de pessoas que estariam envolvidas com bruxaria. Essas listas teriam sido preparadas por adultos e é da natureza humana, que certos nomes de desafetos fossem incluídos, ou outros, de amigos e parentes, fossem cortados. Algumas meninas, sob o stress dos interrogatórios poderiam acreditar que realmente estavam sob o efeito de malefícios e manifestavam sintomas condizentes. "Uma mentira repetida mil vezes, aos poucos passa a ser vista como verdade", ou ao menos é o que diz o ditado. Presas em suas próprias mentiras, elas podem ter começado a acreditar nelas.

É provável que jamais saibamos ao certo quais fatores determinaram os trágicos eventos no vilarejo de Salem. É triste, mas esse comportamento de Caça às Bruxas tendem a se repetir sob disfarces modernos nos quais grupos são perseguidos e acusados por multidões histéricas. A perseguição a dissidentes políticos nos anos 1950 e o abuso de histórias absurdas sobre rituais satânicos nos anos 1980, são apenas dois exemplos de caça às bruxas que mostram que esse tipo de coisa não está restrito ao passado distante.

De fato, estão mais próximos do que imaginamos e tende a se repetir onde menos se espera.

Um comentário:

  1. Mais um post incrível e bem detalhado ,apresentando ótimas hipóteses,parabéns pelo arduo trabalho.

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